14.10.07

Entre velas, imagens e clichês

A entrada é silenciosa. Piso levemente, desejaria flutuar para não ser notada. São 9 horas no horário novo, 8 então na verdade. A igreja encontrava-se cheia e ninguém percebe minha singela presença. Estava 30 minutos atrasada.
Devia fazer mais de um ano que eu não pisava em um templo religioso. No entanto, o sacrifício de levantar tão cedo em pleno domingo era por um amigo, sendo assim, uma missão muito importante.
Parei ao fundo e logo o vi. Ele se destacava naquele ambiente tão casto. Fui em sua direção e sentei no mesmo banco em que estava. Antes que me visse, peguei a sua mão. Seus olhos brilharam quando encontraram os meus. Foi a primeira vontade de chorar.
Nos abraçamos forte. Eu não falei que sentia muito, porém eu realmente sentia demais. Fugi do chavão, mas não consegui evitar as lágrimas quando levantamos para rezar o Pai Nosso.
Meu amigo havia perdido o pai há uma semana. Não conseguia pensar em tamanha dor, impossível dizer “Eu posso imaginar o que estás sentindo”. Seria uma idiota se falasse tais palavras, afinal, enquanto ele chorava a morte daquele que o criou eu sabia que o meu protetor estava em casa e dormia tranqüilamente.
Além de ser uma missa de sétimo dia de falecimento, na ocasião seria realizado o batizado de uma dezena de crianças. Pensei na minha tia e no meu afilhado que deve nascer nos próximos dias. Logo estaria de volta naquela igreja, todavia em outra posição, a de madrinha.
Quanta ironia celebrar a vida e a morte no mesmo dia, na mesma hora. Todavia, é assim independente de religião e da nossa vontade. Depois de refletir olhei novamente para ele. Tinha a cabeça baixa e movia as mãos sob as pernas. Muitas palavras surgiam na minha mente, no entanto deixei o silêncio falar por mim.
O ritual acabou e nos levantamos. Na saída, queria me despedir dizendo algo significativo. Sorri com sinceridade e pela última vez o tive em meus braços. Parecia que aquele homem enorme ia despencar em meu corpo. Senti sua carência e fragilidade naquele momento. Afastei-me e disse “A gente se vê”. Ridícula. Não consegui segurar nem sequer por meia hora um clichê.

9 comentários:

Luana Duarte Fuentefria disse...

Emocionante. Passei pela mesma situação há pouco tempo.

Adorei o título também.

K. disse...

O silêncio 'fala'alto, grita e, muitas vezes, é melhor que grandes palavras.
Imagino como deve ser confusa essa situação, um misto de dor e alegria? Que sentimento é esse?

K. disse...

Este é seu e-mail? nandaetges@hotmail.com

Eu gostaria de enviar o convite para acessar meu blog.

Samir Oliveira disse...

poxa ananda, que triste.. acredito que numa situação dessas só a tua presença já tenha servido de apoio ao teu amigo. O silêncio é um forte aliado nesses momentos conturbados, onde todas as palavras bonitas e úteis nos abandonam..

Anônimo disse...

Bah! sem palavras, arrepiou e deixou o olho cheio de lágrimas, ainda mais sabendo de quem se trata..como podemos nos sentir tão "incapacitados" nesses momentos? é estranho....

Anônimo disse...

Lindo texto, muito bonito mesmo... Evitarei clichês... Parabéns.
ah! Roubando minhas leitoras é? Hehehehe... Bjos. ;)

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

A situação é triste, mas o texto é lindo.
Tu conseguiu colocar teu sentimento nas palavras.

Beijo.

Anônimo disse...

nos últimos meses, devo ter ido a uns quatro enterros - dá pra sacar pelo tom de alguns textos do cacto... no último, esta semana, fiquei pensando: caramba, quantos enterros nos últimos tempos, e quantos ainda terei de ir, se a vida for me brindando com anos sucessivos... Alguns enterros são protocolares, outros me dilaceram, outros me entristecem... enterros e mais enterros, ritos e mais ritos. E depois de cada um a vida aparentemente segue. Acho.

Giane Laurentino disse...

Moça, acha que a presença dos amigos já ajuda muito neste momento... Mas como disse o Vitor a vida segue, eu tenho certeza. Bjus