30.7.07

Sobre partidas e saudade

Mais uma vez a mala está sobre a cama. Aberta e com poucas peças de roupa dentro ela espera que eu a finalize. Ao mesmo tempo, meus avós aguardam meu beijo de despedida. Sim, é hora de ir novamente para a cidade sem pássaros.
Porto Alegre não têm pássaros. Têm pombos, o que é muito diferente. Não adianta dizer que tudo são aves, tal argumento não me convence. Em Venâncio é possível acordar por culpa da cantoria dos canários felizes ao redor das janelas.
Enfim, a questão dos pássaros não vem ao caso no momento, deixarei para outro texto. Agora o que permanece é a contagem regressiva para embarcar no ônibus, colocar os fones de ouvido e deixar uma lágrima escorrer pelo canto do olho. O óculos escuro vai esconder a minha fraqueza. No entanto, ao entrar no apartamento frio do décimo primeiro andar não haverá mais nada a dissimular, nem ninguém para evitar. Estarei sozinha em meu pequeno infinito particular.
Não sei definir se é bom ou ruim. Ninguém para disputar a televisão comigo, ponto positivo. Ter que providenciar comida, ponto negativo. Poderia desenvolver uma lista gigante em tal molde, porém creio que isso não acabaria com as contradições.
Então sigo com os preparativos do retorno. Além de ter que acabar de fazer a mala, ainda vou à benzedeira hoje à tarde. Depois passo nos meus avós paternos. Pego algumas moedas “para o ônibus” e volto para a casa. Minha casa. Nem que seja apenas por algumas semanas de férias de inverno. Nos sábados e domingos sou visita. Mesmo assim, meu lar temporário. Meu lar interminável.

18.7.07

O adeus

O acidente do vôo JJ 3054 da TAM provocou um sentimento confuso em mim. Pensei sobre a vida e a sua efemeridade. Quantas vezes deixamos problemas, situações, momentos passar? E quando não houver mais tempo para nada??
Eu sou uma pessoa um tanto avoada. Embalada pelo conformismo, pergunto-me se eu realmente vivo ou apenas vejo os outros viverem. Sempre penso que semana que vem eu vou ao oftalmologista, no próximo mês eu vou emagrecer e no fim do ano eu vou viajar. É muito vou para pouco futuro. Planos e sonhos são fundamentais para alimentar a alma, mas agir é ainda mais essencial e determinante.
Agora serei drástica: imagine se eu estivesse no vôo em questão. Eu não precisaria mais encomendar as lentes de contato no médico, morreria gorda e sem ter sentido a viagem tão planejada. Horrível? Não, definitivamente não. Eu estaria em estado de churrasquinho e tais fatores não mudariam nada. O cruel seria não ter dado adeus.
Como eu poderia ir embora sem abraçar com total intensidade a minha irmã amada? Sem xingar pela última vez o meu irmão? Sem beijar as bochechas redondas de meu pai? Sem cair no colo de minha mãe? Sem lamentar com minha avó paterna? Sem dizer o “eu amo vocês” que eu nunca disse aos meus avós maternos? Sem olhar pela última vez meus primos e tios? E finalmente, como eu ousaria partir e deixar o meu amor sozinho logo agora que nos encontramos e somos tão felizes?
Surtei! Eu avisei que estava confusa. Impossível não buscar no sentimentalismo conforto para o que os olhos viram em imagens cansativas da televisão e em notícias repetidas da Internet. O que me resta agora é orar pelas almas soltas de pessoas que assim como eu acreditavam no velho Lulu Santos e diziam: “Vamos viver tudo que há pra viver, vamos nos permitir”. Eu vou tentar. E não vai ser só a partir de semana que vem.

14.7.07

A menina que roubava corações

De dia dos namorados recebi um presente fantástico, um livro. No entanto, foi com uma dor imensa que o deixei na estante para arrecadar poeira. Afinal, junho não é um bom mês para se ganhar livros. Eles devem aguardar até julho para na calmaria das férias serem saboreados palavra por palavra. Que crueldade!
Ao abri-lo para dar início a leitura vi a declaração marcada pelo dia 7. Ri, pois foi inevitável não lembrar de tal data. Quando recebi o presente pedi uma frase e uma assinatura na primeira página. Sem saber o que colocar, ELE brincou: “Que tal: para a menina que roubou meu coração?”. Com o sorriso marcado em meu rosto diante da respectiva lembrança, comecei a ler “A menina que roubava livros”. Isso mesmo, não tem coração nenhum no título original.

Observações gerais sobre o livro:
Narrador - a Morte
Contexto - Alemanha nazista
A menina – Liesel Meminger

“Na rua Munique, puseram-se a observar.
Outros se deslocaram a seu redor e à sua frente.
Assistiram à passagem dos judeus pela rua, como a um catálogo de cores. Não foi assim que a menina que roubava livros os descreveu, mas posso lhe dizer que era exatamente isso que eles eram, pois muitos iam morrer. Cada qual me saudaria como sua última amiga verdadeira, com os ossos parecendo fumaça e as almas arrastando-se atrás.
Quando eles chegaram de vez, o barulho de seus pés pulsou sobre a rua. Seus olhos eram enormes, nos crânios esfaimados. E a sujeira. A sujeira moldava-se neles. As pernas cambaleavam, à medida que eles eram empurrados pelas mãos dos soldados – alguns passos trôpegos de corrida forçada, antes do lento retorno a um andar desnutrido.
Hans os observava por sobre as cabeças da platéia que se aglomerava. Tenho certeza de que tinha os olhos prateados e tensos. Liesel olhava pelas brechas ou por cima dos ombros.
Os rostos sofredores de homens e mulheres esgotados estendiam-se para eles, implorando não tanto ajuda – já haviam ultrapassado essa fase -, mas uma explicação. Apenas alguma coisa que diminuísse aquela perplexidade.
Seus pés mal conseguiam erguer-se da terra.
Havia estrelas-de-davi colada em suas camisas, e a desgraça prendia-se a eles como por designação.
(...)
A seu lado, os soldados também passavam, dando ordens para eles se apressarem e pararem de resmungar. Alguns desses soldados eram apenas meninos. Tinham o Führer nos olhos.
Ao observar tudo isso, Liesel teve certeza de que aquelas eram as mais pobres almas ainda vivas. Foi o que escreveu sobre elas. Seus rostos macilentos esticavam-se pela tortura. A fome os devorava, enquanto eles seguiam em frente, alguns olhando para o chão, para evitar as pessoas que ladeavam a rua. Alguns lançavam olhares súplices para os que tinham ido observar sua humilhação, esse prelúdio de sua morte. Outros imploravam que alguém, qualquer um, desse um passo à frente e os tomassem nos braços.
Ninguém o fez.”

Página 351. A menina que roubava livros. Markus Zusak.

Pois bem, acabei hoje de ler o livro. Uma palavra: maravilhoso. Em lágrimas o fechei e fiquei alguns minutos olhando a capa. Branca, clara. Eu o indico com absoluta certeza. Até o empresto se necessário. Porém, não deixem de ter contato com um relato diferente do nazismo pela inocência de uma menina.

* Sobre ELE, não se preocupem, não roubei não seu coração. Apenas guardo um pedaço dele comigo para nas frias noites desse inverno não me sentir tão sozinha. Ameniza a saudade...

9.7.07

Doce Lar

Férias para mim têm um significado único. É tempo de ir para a minha verdadeira casa. É um ato instintivo. Soa mais do que uma necessidade, eu simplesmente preciso sentir os ares da minha terrinha, como se fosse uma questão de vida ou morte, perdão o chavão.
Sou de Venâncio Aires e o ônibus sobre a ponte do Rio Mariante é o anuncio da chegada. O retorno é nostálgico, quase místico. Correr com minhas mil muanbas em direção ao carro no qual minha mãe me espera é um triunfo. A glória do meu lar.
Por mais que eu esteja praticamente todos os fins de semana aqui (sim, estou AQUI!), o sentimento nas férias é diferente. É nesse período que eu volto a ser a menina interiorana que tento disfarçar em meio às ruas cheias da cidade grande. Tiro a poeira dos velhos hábitos e os coloco em prática. Do grande armário saem também o Banco Imobiliário e as calças de moleton.
A triste bicicleta sorri. Afinal, ela que já carregou meus sonhos de criança agora me conduz aos pontos básicos da cidade. A casa da Édina, da Tia Marina, dos meus primos queridos, caminhos que já cansei de percorrer. A estrada é vazia e o barulho mudo. Deslizar por Venâncio sozinha com minha bicicleta sob o sol alaranjado se transforma em terapia.
A brisa daqui dá o ânimo que possibilita a continuidade. Da vida, dos estudos, dos sonhos. Um filme agora me vem à mente. Por mais clichê que seja, ele me transporta toda vez ao meu mundo particular. Em “Doce Lar”, um dos atores fala em determinado momento algo mais ou menos assim: “Você pode tirar a menina da cidade do interior, mas não a cidade do interior da menina”. A mais nua realidade. A minha mais singela verdade.